12.11.16

Espanha

Os campos da Espanha
me deixaram saudades.
Eu era menina,
a aridez imensa.
As cores se escondiam do sol
nos campos largos,
com árvores retorcidas.

Os contornos de Alhambra são divinos
A violência na Plaza de Toros tem formas celestiais.

Conheci a intensidade da verdade

e a luz se tornou parte de meu olhar.
Boca molhada


Preciso de uma boca molhada,
para saciar minha sede.
Preciso de um corpo molhado,
para mergulhar nele.
Preciso de uma alma volátil,

para com ela voar.
Alquimia


das palavras que escrevo
quero retirar as letras
deixar só o cheiro
quero aprender alquimia
Sete mulheres


Uma, panos rasgados, a bruxa de noite ferve o caldeirão.
Duas, roupas velhas, a menina nova  é muito mulher.
Três, carne usada, os trapos não cabem na gordura preta.
Quatro, pele suja, com o lenço de esconder rosto.
Cinco, restos de restos, peitos, barrigas, pernas.
Seis, cheiro de lixo, um dia uma moça bonita.

Sete, olhos cheios de ar, serei eu, será você ?
Paz


Em paz,
a criança dorme num abraço do pai.

Em oferenda,
a criança jaz nos braços do pai.

Em desespero,
o pai segura a criança nos braços.

Com ternura,
o pai aconchega a criança num abraço.

Os olhos do pai ainda gritam,

os olhos da criança, já não suspiram.
Não ouço mais os meninos das guerras


Pais à procura de filhos,
Crianças à procura de mães,
Primos pensando em amigos,
Amigos desesperados.

Mas tudo acontece tão longe.

Os jornais falam bem baixo,
Os corpos ainda estão quentes,
As dores enlouquecem.

Mas é tudo tão distante.

Que alívio, que angústia,
não tocar nessas crianças
completamente desamparadas.

Enquanto isso os homens,
(pais, primos, irmãos?)

perpetuam a guerra.
Indicadores de uma hecatombe


As nuvens que vemos não são espuma,
os mares não são nossa única tormenta.
Dizem que é totalmente distinto,
o som de uma arma
e o de um fogo de artifício.
Falam do cheiro da carne queimada,
do horror das tripas pelo chão.
Alguns mesmo perceberam
os olhares desesperados.
Mas os inocentes,
continuam a morrer,
mas os inocentes,
continuam a nascer,
e não existem manjedouras no asfalto

Batalha


O mosteiro da Batalha
tem torres inacabadas.
Foi assim que criança aprendi 
que nem tudo
para ser bonito,
precisa ser perfeito.

A mão


A mão suave e quente
se junta.
Tudo o que não precisa ser dito
fica compreendido,

e até os gestos deixam de ser necessários.

Oração


Deus, olhe a dor dessas crianças
e embale-as  maternalmente.

Exercício número onze (de qual deve ser o sabor de um poema)


Como num doce português,
pelam-se as amêndoas palavras.
Moem-se, adicionam-se
a uma calda em ponto de pérola
ou às claras em castelo.
A massa deve descansar
na temperatura ideal.
Em seguida, dar forma,
a que desejar.
Levar a assar.
Depois de fria
deixar desmanchar na boca
lentamente,
para que a lembrança do sabor
se perpetue.
Exercício número seis (procurar a forma,
mesmo que ela seja disforme)


A paixão se desenha nos olhos,
as mãos não são suficientes,
o desejo transpira nos poros,
as bocas se multiplicam.
Os devaneios, os delírios
se cruzam, se rompem.
As cores se apagam das faces.
a vida atravessa a pele,
a morte suave aparece.

Eis o tudo, eis o nada
Exercício número dois (escrever o que vai além de mim,
que não precisa de mim e que acima de tudo sou eu mesma )


Os risos são como raios
queimam, iluminam.
Os olhos, as mãos agitadas
algaravia que nos invade.

Ainda se acredita,
ainda se confia,
ainda se abre os braços.

Será que revelo aos meninos,

que o único segredo é que nada sabemos ?
Esperas na noite

O espanto terrível do dia visto ao longe em letras e imagens,
entre risos e silêncios.

Nos cantos da derme
impreciso, o medo de mais uma vez perder um filho
ou perceber
que não tenho mais meus pais

Passando a mão no rosto apago o medo
com a certeza da presença dos mortos
com o pensamento nos vivos

Não os quero presos a mim
como colar de pérolas

Então
fecho os olhos
rezo qualquer palavra
fico quieta como ensinava a meus filhos

e espero o sono chegar