25.9.06

outro dia meu olhar estava tão longe
que no fim do dia me surpreendi com minha imagem na vitrine
tinha esquecido de pentear os cabelos ...
meu olhar anda assim: perdido.

A corda do relógio

Nesse momento
são onze horas e nove minutos,
os beijos apaixonados
se tornaram eternos,
as discussões acaloradas
se tornaram infindas,
os braços estendidos
ficaram no ar,
os pulos no alto
continuaram no ar,
a tensão inteira.
Nada se movia.

E então,
no relógio eram onze horas e dez minutos
e o tempo, se desatou.
Mas o beijo eterno,
a discussão infinita,
o gesto, o pulo,
tudo ficou meio solto,
tudo ficou desamarrado.

Os sobreviventes

Alguns, entre nós, são sobreviventes.
Sobrevivo,
continuo a percorrer
o mesmo caminho.
Quero ainda me embebedar de alegria,
me aquecer de ternura,
falar manso,
ouvir muito,
entender,
minto, apenas
perceber o mundo
e talvez passar a meus filhos
alguma felicidade.

Mas sou apenas uma sobrevivente.

Loucura

A loucura não é causada pela dor
sim pela sua ausencia
a dor causa na verdade,
a percepção do real
e com ela a impotencia
o desespero
e a consciencia.

16.9.06

Frágil

Passei tanto tempo
dentro de meu silencio.
Que a minha palavra
se despedaça quando a toco.
escrevo para percorrer minhas veias
para perceber que o ar que respiro vem molhado de dor
e envolvido externamente em alegria e cor
Os meninos cresceram
e eu não pude dar todos os encantos que queria
ah, sim, descobrimos muitas coisas juntos,
laços e laçarotes
saberes e desencantos
mas queria ter abraçado mais voces
acarinhado mais
aninhado mais
só tenho o semblante tranquilo
porque sei que amei voces profundamente

A ternura e a dor

Voce me trouxe a ternura
e uma alegria imensa
e me veio a dor
para que não perdesse a realidade
Se apenas a ternura tivesse me abençoado
teria me perdido numa canção romantica
por isso também veio a mim a dor.
E assim não esqueço nem da ternura,
nem da alegria, nem da dor
que pode sempre aparecer.

A pontuação

Preciso pontuar minha vida de silencios
como muitas vezes não consigo respirar
preciso andar para não ficar sem ar
preciso ouvir o silencio
porque as vozes que berram por dentro de mim
já são barulho suficiente.

11.9.06

Um dia desses ...

Um dia desses eles se matam
se engolem, se trucidam.
Ainda bem que, no café da manhã
a gente consegue comer panquecas.
Um dia desses, um quebra a cabeça,
mas a gente gosta de fazer biscoito.
Um dia desses, os vizinhos nos expulsam,
mas a gente desenha e faz origamis.
Pode, não pode, para, larga menino !
Eu não vou mais repetir.
Vai tomar banho menino !
Um dia desses, meu vocabulário fica minimalista.

9.9.06

estou cansada perdida

acordei triste, não tem jeito

tento retomar folego e entra água e vou me afogando

não acho qualquer coisa para me segurar
somente desencanto

e como fico perdida

sempre achei alguma coisa para me manter na superfície
filhos, trabalho, idéias, amigos

hoje nada me faz sair do afogamento
hoje queria afundar o mais rapidamente possível

estou cansada
estou triste

quis sonhos tão bobos, lugares comuns

uma família feliz,
um amor verdadeiro,
tranquilidade, verdade
e me perdi

talvez o erro fosse esse mesmo
querer

deveria ter escolhido ambições maiores

me tornar uma grande escritora,
me tornar uma austronauta

talvez então não estivesse perdida

quero colo e não tenho a quem pedir

novembro 2004
descobri um grande amor
passei os sete anos de pastor servindo
e agora minhas mãos estão vazias

não quero sentir desencanto
aos poucos na lembrança
apenas uma grande mágoa e um imenso desencanto

não quero conversas,
não quero explicações
nem restos de passado presos no presente

tentarei disciplinadamente
ser amiga

no momento apesar de todas essas palavras
a mágoa vai me consumindo

mas a gente sobrevive
porque sobrevive

novembro de 2004

8.9.06

porque preciso escrever: no guardanapo, nos olhos fechados tentando dormir, nos cadernos de caligrafia, nos bilhetes para meus filhos, nas cartas de amor dilaceradas. talvez um dia, após tantas palavras

Precisão

Os momentos dos encantos
definitivos do amor,
deveriam ter a precisão
técnica dos computadores,
mas não, são atrapalhados
como bebês engatinhando.

7.9.06

Ainda a espera

Espero que surjam atrás da porta
todos os que perdi
mas tenho certeza de que
não mais os verei.
fica apenas a sensação da esperança
mesclada a do desespero.

Exercício número onze (de qual deve ser o sabor de um poema)

Como num doce português,
pelam-se as amêndoas palavras.
Moem-se, adicionam-se
a uma calda em ponto de pérola
ou às claras em castelo.
A massa deve descansar
na temperatura ideal.
Em seguida, dar forma,
a que desejar.
Levar a assar.
Depois de fria
deixar desmanchar na boca
lentamente,
para que a lembrança do sabor
se perpetue.

Metamorfose

Dilacerante metamorfose.
metamorfos,
formas além de mim.
estado larval,
branco descamado.
Sai a casca seca
a gosma continua em mim,
desnorteada, faminta.
Dilacerante fome,
preciso de ti,
és o único norte
e estou sem rumo.
Todos os meus rumos
já foram esclarecidos,
determinados, estabelecidos
e assim sendo estou sem norte.
Estado larval,
preciso desesperadamente de ti.
Ao acordar
os dias são claros demais,
em dezembro, o céu parece abril
é azul da cor do manto da santa.
A paz que vislumbro
é manchada de sangue,
de desejo, de paixão.
Um encontro casual
que já acontecera antes,
preciso como louca desse alimento.
Tudo é definitivo,
os sonhos, o medo, os desejos.
Sonho a traição,
coração dilacerado,
paixão descompassada.
estado de metamorfose,
fome dilacerante,
loucura, beleza.

Não ouço mais os meninos das guerras

Pais à procura de filhos,
Crianças à procura de mães,
Primos pensando em amigos,
Amigos desesperados.

Mas tudo acontece tão longe.

Os jornais falam bem baixo,
Os corpos ainda estão quentes,
As dores enlouquecem.

Mas é tudo tão distante.

Que alívio, que angústia,
não tocar nessas crianças
completamente desamparadas.

Enquanto isso os homens,
(pais, primos, irmãos?)
perpetuam a guerra.

Rio, 1992